27 filmes perfeitos escondidos na Netflix

Por Octavio Caruso.

Sugerir filmes é algo que demanda tremenda empatia e mente aberta, daquele que a prepara e de quem a lê, para que nenhum gênero seja menosprezado. A beleza do cinema está exatamente na pluralidade de emoções que ele desperta. Os títulos abaixo estão atualmente no catálogo da NETFLIX, de clássicos importantes a pérolas pouco conhecidas, obras que instigam discussões, incentivam revisões, sempre entregando mais do que puro entretenimento imediatista. Como são muitos títulos, vou me ater a breves textos, em alguns casos, algumas linhas, ao invés da típica sinopse simples que você pode encontrar facilmente em um passeio pela internet.

Max Rose (2013)

O retorno de Jerry Lewis nesse drama emociona pela entrega honesta do veterano, despido de vaidade, tocando na ferida da solidão após a morte da mulher amada. Se você não gosta da fase áurea de suas comédias, dê uma chance para ele nessa pérola do cinema independente.

A Cura (The Cure – 1995)
Um menino, no amanhecer ensolarado de sua vida, por causa de uma transfusão de sangue, contrai o vírus HIV. Seu vizinho, alguns anos mais velho, é a única pessoa que não o enxerga como um monstro a ser evitado, o único que, mesmo sem compreender a doença, percebe a beleza da rosa sem olhar para os espinhos. De forma elegante, utilizando como veículo a inocência de uma criança, o filme desfere um golpe poderoso no absurdo dos dogmas religiosos, que, a despeito de tantas descobertas diárias maravilhosas na área da ciência, ainda se preocupa mais com a sexualidade de seus fiéis, algo de importância tão ínfima.

Hara-Kiri (Ichimei – 2011)
A armadura que permanece no altar como símbolo da honra dos ancestrais e da estabilidade de sua instituição, todos os rituais de teatralidade, um conjunto de dogmas que banalizam a filosofia, que míngua nos escombros dos templos do ego, símbolo maior da busca pelo poder, o respeito que é conquistado pelo medo, formando guerreiros padronizados que não reconhecem um homem genuinamente honrado, mesmo quando ele se encontra a poucos metros de distância, sangrando o solo sagrado com sua bravura líquida. O perigo que ocorre quando os dogmas de uma instituição se tornam mais importantes que a humanidade dos indivíduos que são o alicerce da instituição.

Amadeus (1984)
Salieri, vertendo lágrimas, questionava o divino: “por que entregou o dom musical a ele? ”. Afinal, o jovem não havia se abnegado, vivia uma vida desregrada, promíscua até! A inveja somente crescia à medida que seus esforços cada vez maiores falhavam em conseguir a mesma atenção que os arroubos criativos do garoto. Como não conseguia igualá-lo ou superá-lo, desejou destruí-lo. Viver no mesmo mundo que Mozart e ter que ver no rosto do jovem o reflexo de sua própria incompetência era algo inconcebível. Ele sabe que será eternamente lembrado pela história, não por seus esforços ou talentos musicais, mas apenas por ter compartilhado o mesmo tempo/espaço de seu antagonista.

Clube dos Cinco (The Breakfast Club – 1985)
John Hughes, que sabia como ninguém compreender a realidade complicada dos adolescentes, trabalhou os estereótipos mais comuns no filme. Brian, ao final do dia, acaba sendo nomeado pelos colegas como o responsável pela redação, pois era o único capaz de elaborar uma resposta crítica forte, porém, elegante. Sem a ousadia inconsequente do delinquente, vivido pelo Judd Nelson, o grupo não teria coragem de cogitar aquela resposta. O delinquente descobre que o introvertido sofre tanto quanto ele, a diferença é que um extravasa na rua os abusos que sofre em casa, enquanto o outro carrega para o convívio familiar cicatrizes psicológicas dos abusos que sofre na rua. Duas faces da mesma moeda.

Na Natureza Selvagem (Into The Wild – 2007)
Ele consegue superar as tentações sociais, como o roteiro transmite na boa sequência em que o jovem vislumbra uma versão alternativa de sua realidade, o escravo da ganância em modelo industrial, com sorrisos e maneirismos calculados para satisfazer a imagem que os outros projetam nele. O roteiro não faz do personagem um herói, muito pelo contrário, sublinha a irresponsabilidade inerente à sua decisão e, acima de tudo, no poderoso desfecho, a conscientização do erro cometido. O ser humano não precisa dos rituais, mas, sem dúvida, precisa ser humano. A solidão de Chris, seu calvário autoimposto. A lição foi aprendida da maneira mais dura, o “Alasca” que ele buscava com sua inconsequente arrogância adolescente, o objetivo primordial, era a compreensão da necessidade do perdão.

Donnie Darko (2001)
O herói é levado a confrontar de forma prática algumas instituições opressivas, inundando sua escola que doutrina com base em um código de valores equivocados, punindo professores que intencionam abrir as cabeças dos alunos, além de desconcertar sua psiquiatra em diversos momentos, provando para a profissional que nada que ela aprendeu nos livros explica de forma minimamente aceitável as variantes de seu comportamento. O ser humano não pode ser etiquetado, padronizado, sem levar em conta os matizes que compõem sua complexa personalidade.

Amnésia (Memento – 2000)

O quebra-cabeça que apresentou ao mundo o talentoso diretor Christopher Nolan, de “A Origem”, “O Grande Truque”, “Interestelar” e “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, segue eficiente após todos esses anos. Quanto menos você souber sobre a trama, melhor será a experiência.

Brazil – O Filme (Brazil – 1985)
A mente do roteirista/diretor Terry Gilliam, um dos pilares criativos do grupo “Monty Python”, esbanja criatividade nessa mistura inesquecível de “1984”, “Blade Runner” e “Laranja Mecânica”.

O Despertar de Um Homem (This Boy’s Life – 1993)
A história real da vida do escritor Tobias Wolff, vivido com elegante sensibilidade por Leonardo DiCaprio, que sofre diariamente na adolescência com o abuso físico e psicológico do padrasto, grande momento de Robert De Niro.

Era Uma Vez no Oeste (Once Upon a Time in The West – 1968)
O diretor Sergio Leone elabora sua obra como uma solene dança da morte, todos os personagens sabem que não chegarão vivos ao final, com exceção da vivida por Claudia Cardinale, que simboliza a “mãe” da modernidade. Diferente de muitos no gênero, não se glorifica o fim de uma era. A linda trilha sonora de Ennio Morricone ressalta o pungente senso de nostalgia. Fica clara a necessidade de deixarmos para trás aquela realidade e “entrarmos no trem” que nos guiará ao mundo de hoje.

Paris, Texas (1984)
Um homem em busca de sua origem, tentando apagar suas pegadas e refazê-las de forma diferente. Os erros do passado, que assombram seu caminhar pesado, emudecendo seus lábios. O encontro com o irmão, a redenção advinda da primeira vez que escuta seu filho chamando-o de “pai” e a tentativa de se fazer parecer um “pai” mediante seu vestuário. Como ele inspira a imaginação em seu filho, levando-o a sentir-se pela primeira vez parte de algo, um universo só seu. O objetivo da busca dos aventureiros não é imediatista, mas sim o reparo de algo que havia se estilhaçado, causando destruição para todos os envolvidos.

O Abutre (Nightcrawler – 2014)
Quando o jornalismo perde o senso de moral, ele se torna uma busca desesperada por manchetes sensacionalistas, simplificando qualquer discurso a imagens de impacto, visando o choque, nunca a reflexão. A interação do protagonista com os outros é limitada a frases rápidas, abordagem direta, como um titereiro habilidoso, resultando em relacionamentos intensos e instáveis, objetivando apenas sua ambição impulsiva de momento: Crescer na indústria do telejornalismo, aproveitando a brecha dos profissionais sem escrúpulos e a fome dos abutres que consomem esse sensacionalismo barato.

Um Espírito Baixou em Mim (All of Me – 1984)
A melhor comédia de Steve Martin, o tipo de roteiro que o tolo politicamente correto atual nunca permitiria. Um advogado que precisa aprender a controlar metade de seu corpo, dominado pelo espírito de uma milionária excêntrica, vivida por Lily Tomlin. A direção de Carl Reiner aproveita todas as possibilidades de humor físico.

A Fúria do Dragão (Jing Wu Men – 1972)
Considero essa produção da Golden Harvest o melhor trabalho de Bruce Lee, aquele que melhor transmite sua habilidade como ator e como artista marcial, com um roteiro correto e uma direção elegante de Lo Wei, além de um desfecho profundo em simbologia e que resume a essência de sua importância na história da sétima arte, a coragem de um jovem que seguiu seu sonho e, em pouco tempo, fez o mundo reverenciar seu talento. Seu personagem, baseado em Liu Zhensheng, principal aluno do tradicional herói chinês Huo Yuanjia, pressionado a se render às autoridades, decide que irá sair de cena atacando sem medo, exatamente como viveu, coerente aos seus princípios até o fim.

Dr. Fantástico (Dr. Strangelove – 1964)
A crítica mais inteligente já produzida pelo cinema sobre a pulsão de morte que conduz o ser humano à estupidez da guerra, protagonizado por um Peter Sellers intensamente inspirado, em três papéis, dirigido com a ousadia maravilhosa de Stanley Kubrick.

Frank (2014)

Esse microcosmo que parece saído de uma combinação das mentes de Lewis Carrol e Andy Kaufman, de nome coerentemente impronunciável, é formado por tipos esquisitos, como um empresário que acabou de sair de um hospício, uma jovem que simplesmente não sorri e um baixista que só fala francês. O grupo é liderado pelo enigmático Frank, vivido por Michael Fassbender, que esconde seu rosto com uma imensa e pesada cabeça de fibra de vidro, espertamente escondendo seus sentimentos com uma perene expressão infantil de alguém que se surpreende com o mundo ao seu redor.

Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive – 2013)
Como o roteiro deixa transparecer em suas ricas referências literárias, estamos assistindo os desiludidos pontos de vista de dois seres evoluídos sobre a mediocridade da sociedade contemporânea, formada por verdadeiros zumbis que, a despeito de seus brinquedos eletrônicos ultramodernos, continuam estúpidos nas questões que realmente importam, considerando mais importante em seu cotidiano as desventuras de personagens midiáticos medíocres que os impressionantes avanços da ciência. Como o Stephen Dedalus do escritor James Joyce, nome adotado em uma viagem de avião, ele é um solitário extremamente culto que aprecia a boa música, em busca eterna por entender a complexidade de sua existência. Como ele afirma debochadamente, coerentemente emoldurado por seu ambiente vintage, esses mortos-vivos ainda implicam com Darwin, assim como os antepassados deles rejeitaram e demonizaram Copérnico, Galileu e Newton. Só as roupas e os cortes de cabelo mudaram. Aqueles zumbis que poluem o mundo exterior à luz do dia continuam apegados a crenças religiosas que os colocam em guerra, fazendo-os odiarem outrem por motivos tolos, poluindo também o próprio organismo, infectando o sangue com estilos de vida desregrados.

De Volta ao Jogo (John Wick – 2014)
A trama de vingança é saborosamente simples, as várias cenas de ação surpreendem pela crua objetividade estética, não há intenção de disfarçar com montagem frenética e movimentos de câmera epiléticos a pouca competência técnica, todos os envolvidos são especialistas talentosos, experimentando diversas possibilidades, do tiroteio comum em pequena e larga escala, passando por perseguições de carros e combate corpo a corpo. As coreografias são pensadas com o intuito do choque visual, afinal, trata-se do atrito entre mercenários selvagens que operam além da margem de seus próprios superiores. Os movimentos precisam ser rápidos, certeiros e brutais. Um dos melhores filmes da ação da década.

Nebraska (2013)
A beleza maior nesse filme minimalista está na insinuação de que o velho cansado, disposto a caminhar uma absurdamente longa distância para requisitar seu prêmio, talvez seja o único com plena consciência de que não há tesouro algum no final da jornada. Ele também sabe que seu filho mais velho intenciona colocá-lo em um asilo. Todos os abutres que encontra ao revisitar seu passado, incluindo membros de sua própria família, aglomeram sobre o frágil homem com sorrisos falsos, desejando apenas uma fatia generosa desse bolo. Todos chegam a crer na possibilidade milionária em algum ponto dessa longa estrada até Nebraska, e o silencioso protagonista interpretado por Bruce Dern está disposto a não quebrar a ilusão, pois após décadas de desgastante rotina, ele está sendo notado, até mesmo aplaudido.

Janela Indiscreta (Rear Window – 1954)
Não existe arte mais voyeur em sua essência que o cinema. Hitchcock sabia disto e criou essa obra-prima. Nela, James Stewart vive um fotógrafo confinado a uma cadeira de rodas após um acidente. Genialmente, o mestre nos apresenta nos segundos iniciais do filme, por intermédio de simples movimentação de câmera, elementos que explicam perfeitamente as razões do protagonista estar naquela situação. Sem diálogos ou narrações em off desnecessárias, ficamos sabendo todo o necessário para nos ligarmos empaticamente ao protagonista.

Jesus Camp (2006)
Documentário obrigatório sobre o abuso psicológico religioso em crianças, uma forma socialmente aceitável de lavagem cerebral, que, especialmente em nossa nação, carente de educação, analfabeta cientificamente, pode deixar cicatrizes para o resto da vida.

Manhattan Murder Mystery (1993)

Gosto bastante da maneira como o roteiro insere a obsessão da esposa (Diane Keaton) como o catalisador de uma bem-vinda renovação naquela relação bastante desgastada. A investigação atrapalhada conecta novamente o casal. É interessante também como a trama, numa camada de interpretação menos aparente, coloca em conflito o conceito de arte socialmente tida como séria e respeitável, o marido (Woody Allen) não suporta escutar ópera, e a arte popular, o cinema, especificamente o de gênero, que ludicamente emoldura o desfecho, com a referência direta ao “A Dama de Shangai”, de Orson Welles.

Até o Fim (All is Lost – 2013)
Não existe o elemento da outridade, clichê em qualquer obra similar. Até mesmo Ernest Hemingway presenteou o seu Santiago com um espadarte que lhe serviu de confidente silencioso. O homem que acompanhamos não interage ou interdepende de ninguém. Ele apenas existe a partir do outro, nesse caso, o espectador. No horizonte se insinua cada vez mais ameaçadora uma devastadora tempestade, que aniquilaria facilmente o barco mais resistente, um destino inevitável, como a morte. O barco de nosso Sísifo fica cada vez mais desgastado, após cada obstáculo superado, mas existe alguma força inexplicável que, contra todas as probabilidades, mantém o homem acreditando que aquele “corpo” irá resistir. Numa analogia ao “O Velho e o Mar”, o homem é o peixe, restando ao final apenas a alma. Apenas?

Sob a Sombra (Under the Shadow – 2016)
Escrito e dirigido pelo iraniano Babak Anvari, essa pérola de baixo orçamento é um sopro de ar fresco no gênero terror, promovendo um paralelo alegórico perturbador com o medo real das vítimas de zonas de guerra. Veja sem ler a sinopse, para não prejudicar sua experiência.

Depois de Lúcia (Después de Lucía – 2012)
A jovem Alejandra está emocionalmente abalada com a morte de sua mãe, a Lúcia do título, e sente seu pai cada vez mais distante, o que acaba deixando-a vulnerável no ambiente social em que passa grande parte de seu tempo, a escola. A divulgação de um vídeo dela em um momento íntimo promove uma perseguição hipócrita. Evitando passar para seu perturbado pai mais um problema, ela corajosamente suporta sozinha todas as provações diárias. Aquele que não é violento, não costuma saber lidar instintivamente com a violência. Um dos melhores filmes sobre a temática do bullying
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My Beautiful Broken Brain (2014)

Documentário com produção executiva do mestre David Lynch, abordando o papel importante da linguagem na formação de um indivíduo. Lotje Sodderland tinha 34 anos e levava uma vida produtiva, até que um terrível acidente vascular cerebral hemorrágico a faz reavaliar suas prioridades.






Sobre a inteligência, a força e a beleza feminina.