Crioterapia: enfiar-se no congelador para ficar mais bonita?

O arrefecimento do corpo com finalidades estéticas é uma tendência que parece ter chegado para ficar, apesar da polêmica que tem causado. Há muito tempo usada como técnica de fisioterapia para tratar lesões – sobretudo desportivas, tem sido agora aplicada também na área da estética para reduzir a flacidez, melhorar o aspeto da pele e combater a gordura localizada, mas há quem defenda que envolve riscos. Vale a pena arriscar?

Crio vem do grego kryos e significa frio ou gelo. Terapia, bom, significa isso mesmo, algo que trata. Juntas significam, literalmente, tratamento pelo frio. Uma ideia que não é propriamente nova mas que nos últimos anos tem dado que falar, e nem sempre pelas melhores razões. Pegamos desde sempre num saco de gelo para colocar na parte do corpo que sofreu uma pancada com força ou que foi picada.

Aplicar frio em lesões agudas é uma forma de prevenir o inchaço (edema), aliviar a dor e melhorar a mobilidade. No desporto, desde há muito que o tradicional saco de gelo foi substituído por um spray gelado, de forma a atenuar a dor dos desportistas quando se lesionam em campo. E não é segredo que muitos atletas de alta competição tomam banhos de imersão com pedras de gelo, antes ou depois das provas, para prevenir distensões musculares e diminuir o risco de lesões.

A razão é a mesma para todas as utilizações: o frio provoca a vasoconstrição e diminui o fluxo sanguíneo, o que, por sua vez, trava o processo inflamatório, reduz o edema e diminui a dor. Por outro lado, a medicina – sobretudo a dermatologia e a ginecologia – usa há muitos anos o gelo como forma de tratamento de lesões da pele, destruindo as células afetadas ou suspeitas através de temperaturas negativas. Quer isto dizer que usar o frio como forma de tratamento não é novidade. Mas usá-lo enfiando o corpo todo numa câmara que atinge temperatura que podem chegar aos 190 graus negativos por razões estéticas é.

A crioterapia de corpo inteiro (CCI) foi desenvolvida no final dos anos 1970, no Japão, para aliviar as dores de pacientes com artrite reumatóide e, depois de muitos anos a ser discutida com maior ou menor vigor entre a comunidade científica, começaram a ser comercializadas as primeiras câmaras de crioterapia, também chamadas de sauna invertida, que passaram a ser usadas sobretudo por desportistas e atletas de alta competição.

Em Portugal, a prática é pouco falada e surgiu na comunicação social em 2016, com alguns jogadores da seleção nacional.

A Cochrane Collaboration – organização sem fins lucrativos de medicina baseada na evidência, que faz revisões sistemáticas da literatura científica – tem uma revisão sobre o tema e chegou a duas conclusões principais: a evidência atualmente disponível é insuficiente para determinar se a CCI reduz dores musculares e os estudos não relataram eventos adversos, o que seria importante, uma vez que a exposição a temperaturas extremas constitui um risco potencial.

Enquanto se manteve no campo do tratamento das dores a CCI, normalmente feita com recurso a nitrogênio em estado gasoso, foi pouco falada. O boom aconteceu há um par de anos, quando o conceito se estendeu a uma das poucas áreas que vendem mais do que a saúde (a beleza e o bem-estar) e homens e mulheres começaram a enfiar o corpo todo em câmaras de frio seco, durante dois ou três minutos, para prevenir celulite, melhorar a elasticidade da pele, revigorar o sistema imunitário e metabólico, atenuar rugas, perder calorias e sentir aquilo que os fãs descrevem como um bem-estar generalizado.

Muitos benefícios, embora nenhum claramente provado, o que não impediu milhares de americanos de fazerem o procedimento com frequência. A prática era até 2015 um dos muitos elefantes na sala da indústria da saúde e bem-estar norte-americana: toda a gente sabia que existia, mas ninguém tomava posição oficial sobre ela.

Até que a morte de uma mulher dentro de um tanque de crioterapia – em circunstâncias desconhecidas – levantou a lebre e obrigou a Food and Drug Administration (FDA) a tomar uma posição sobre o assunto. E foi esta: pode envolver riscos, ainda que diminutos, como piorar condições de saúde preexistentes, provocar queimaduras pelo frio. E ficou-se por aí, simplesmente porque não existe conhecimento suficiente para perceber os efeitos deste tipo de temperaturas no corpo humano, sejam eles bons ou maus. Recomendou-se apenas que se falasse com o médico antes de experimentar.

Em Portugal, esta prática é ainda pouco falada. Surgiu nos meios de comunicação social pela primeira vez no ano passado, com fotografias de alguns jogadores da seleção de futebol antes de entrarem numa câmara, durante o Euro 2016. E uma clínica do Porto começou a ter a crioterapia disponível, tendo surgido nas redes sociais imagens de algumas figuras públicas dentro da câmara frigorífica.






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