Ao querido Rubem

Por Isabela Bosi

Te enviei um e-mail, Rubem, há um ano. Não sabia que hoje tu já estarias do outro lado. Não sei se você chegou a ler, mas fico imaginando a resposta que você me daria. Se saudade é a nossa alma dizendo pra onde ela quer voltar, como você dizia, voltarei sempre a teus livros, com amor e gratidão.

Querida Isabela,

Peço desculpas pela demora dessa resposta. Já li seu e-mail há um bom tempo, mas confesso que o deixei um pouco de lado. Não por desinteresse, mas por sentir que ainda não estava na hora de te responder. As palavras, como as comidas, também precisam de digestão. Se a gente tenta apressar esse processo, acaba indo parar no banheiro, passando mal. E, claro, eu não queria que isso acontecesse com nós dois. Agora, porém, tudo o que você me disse está bem mastigadinho e sinto que já posso te responder alguma coisa.

Primeiro: você é tão jovem! A gente só volta a entender alguma coisa da vida com o passar do tempo, com a velhice. Eu, que já estou velho, digo isso com certa segurança. Tenha calma, minha querida. Essa liberdade que você deseja reencontrar está logo ali, na próxima esquina. Mas é preciso tentar caminhar sem pressa, pra não tropeçar tanto.
Como costumo dizer, quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata.

Há certas coisas que não podem ser ajudadas, pois devem acontecer de dentro pra fora. É o seu caso. Você espera de mim alguma ajuda para as angústias da sua alma. Mas eu, daqui, não tenho como te tirar do casulo. Nem quero. Esperemos pacientemente pela bela borboleta que você será.

Segundo: não se apavore com o que já passou. Eu sei que seus 23 anos (ainda são 23? Demorei tanto a responder, que talvez você já esteja um pouquinho mais velha) te parecem “milênios”, como você mesma diz. Mas eu te garanto: ainda é só o início. Você terá tempo para descobrir todas essas respostas. Ter tantas perguntas já é um bom começo. Pense nisso.

Enquanto te escrevo, ouço a ária, cantilena, das Bachianas brasileiras n° 5. Não sei se você já a escutou, Isabela. É absolutamente linda e absolutamente inútil. Não há nada que possamos fazer com ela. Mas, ao mesmo tempo, a voz de soprano que canta sem dizer uma única palavra, me alegra e me faz querer chorar. Como algo inútil pode ter tanto efeito sobre mim, sobre nós?

Acho que é aqui que termino esse e-mail, pedindo que você não tenha pressa em crescer, em tornar-se o que quer que seja, mas sim em voltar à infância. As crianças já nascem sabendo. O brinquedo e a arte são as únicas atividades permitidas no paraíso.

Dedique-se àquilo que é inútil. Dedique-se ao prazer. Não é preciso ordenar que as crianças brinquem, que o amante abrace ou que o poeta escreva. O desejo torna o comando desnecessário. William Blake sabiamente já dizia: o prazer engravida e o sofrimento faz nascer. Aceite essas duas etapas com devoção. Ambas são lindas e extremamente essenciais à vida.
Do seu amigo,
Rubem

PS. Fico feliz de saber que você leu e gostou de “Por uma Educação Romântica”. Foi um livro que gostei de ter escrito. Ah! Me sinto lisonjeado com a metáfora do pássaro. Que sensação boa a de poder voar dentro de alguém!

Nota: algumas frases foram retiradas do livro “Variações sobre o prazer”, do doce e eterno mestre Rubem Alves.

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