Médico emociona web ao relatar consulta de idosa com câncer: ‘Ela que me curou’

Depois de uma semana cansativa de trabalho, que aguçou a saudade de casa, o médico João Carlos Resende se emocionou e comoveu internautas ao relatar a consulta com uma paciente de câncer. Dona Socorro chegava ao Hospital do Câncer de Barretos, em São Paulo, ansiosa por uma boa notícia, mas receberia em seguida um novo diagnóstico da doença. A simplicidade da reação da idosa, mesmo decepcionada, tocou o coração de Resende, cujo relato já alcançou mais de 100 mil compartilhamentos no Facebook.

O texto do médico comove ao transportar o encontro no hospital para a literatura. Ela chegou a ele franzina, com “mãos de sutil aspereza de quem trabalhou pesado a vida toda”. Vestia a melhor roupa que tinha. Mas Resende precisava avisá-la de que a doença havia voltado e progredido, e ela precisaria retomar a cansativa e nauseante medicação.

“Mas, Dotô. Não diga isso”, respondeu Socorro, enquanto seu rosto se entristeceu. Doeu no médico, que pediu à senhora que não ficasse triste porque tinha coração mole e poderia chorar. “Vou chorar em casa, para o senhor não olhar”, rebateu a idosa, com brilho nos olhos, segundo o texto. Ela se despediu: “Dotô, o resto pode estar doente e não prestar, mas meu coração é grande e bom”.

— Consegui enxergar naquela consulta algo que vou levar para a vida. A forma com que ela respondeu (à notícia), no gesto, na simplicidade, me tocou. Desde que deixei a minha cidade, foi difícil abrir mão de momentos com a minha família para uma missão maior aqui. São essas histórias que me preenchem e me alentam, me fazem continuar — explicou o médico ao EXTRA, surpreso e assustado com a repercussão.

Medicina humanizada

João Carlos Resende Martins Medeiros Trindade é natural de Campina Grande, na Paraíba, e foi morar no interior de São Paulo em março do ano passado para a residência em oncologia. Sempre gostou de escrever, movido pela leitura e pelo incentivo da mãe, que é revisora ortográfica. Muito ligado aos parentes desde criança, ele convive hoje com a solidão. Mas aposta na missão de ajudar na fragilidade dos pacientes com câncer, em um mundo que “usa a fragilidade das pessoas para o engano, o golpe”. E se apoia em afagos como o de Dona Socorro, o que trouxe um sopro de esperança.

— Ela me ajudou muito mais do que eu, como médico, poderia ajudá-la. Ela que me curou. Me senti visitado por Deus. Foi uma semana me desestimulou, me fez pensar na Paraíba. E veio aquela mulher, naquela simplicidade… Muita gente me diz que eu deveria ser mais frio para não sofrer. Mas o que eu recebo de volta com isso é uma satisfação que faz valer a pena o fato de deixar minha mãe, meu pai, minha avó para cuidar da mãe, do pai e da avó dos outros.

Resende é fiador de uma medicina humanizada. Gosta de sentar e ouvir a história do paciente. Desde a faculdade, era desaconselhado a escolher a oncologia por ter “coração mole”. O médico, que se diz tímido, nunca havia visto tamanha repercussão de um texto seu, apesar de escrever constantemente aos seguidores e publicar de forma privada no Facebook. Desta vez, uma amiga pediu que tornasse público para ela compartilhar.

— Apesar da amplitude (do texto na rede social) que eu não esperava e até não queria, vi um significado nisso, é uma forma de estimular que outros colegas façam o trabalho deles de forma não tão técnica, não só prescrever remédios. A gente tem que tratar a dor, a doença, mas às vezes uma palavra pode resolver. Eu poderia olhar a morte como frustração, como algo que não deu certo no que fiz, mas todo mundo tem que viver com dignidade e tem que morrer com dignidade também — defendeu Resende, que pretende voltar ao seu estado natal ao fim da residência, no ano que vem.

A paciente autorizou a divulgação do contexto e da foto da consulta. O médico preservou detalhes sobre a condição da doença de Dona Socorro e mais informações sobre a paciente, em nome da ética médica. Por uma questão técnica, o relato acabou publicado duas vezes no Facebook — um deles tem quase 60 mil compartilhamentos; o outro, 41 mil. Segundo médico, a repercussão fez pacientes e colegas de trabalho o pararem nos corredores para agradecer pela energia renovada.






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